Rémire-Guiana Francesa, 11 de maio de 2010. Estaçao das chuvas. Nubladao. 08:44.
Oi pessoal,
Recebi o e-mail (que você pode ler logo abaixo) sobre as reencarnaçoes do Chico Xavier e decidi postar pelas reflexões que a mensagem propõe.
Mais do que satisfazer a curiosidade sobre se Chico foi ou nao Allan Kardec, o texto vem colocar um ponto final na minha duvida sobre a existencia e a justiça da lei de açao e reaçao.
A mensagem narra as reencarnaçoes de Chico Xavier pesquisadas por espiritas sérios e poe, pelo menos pra mim, um ponto final na historia de que Chico foi Kardec, o codificador da Doutrina Espirita.
Informaçao esta que eu nunca aceitei completamente porque, segundo os ensinamentos do Espiritismo, a gente nao muda de personalidade completamente de uma vida pra outra. Nossa transformaçao obedece a Lei da Evoluçao, que por sua vez, nao poe a carroça à frente dos bois.
E a personalidade do Chico nao tinha nada a ver com a do Kardec.
Um outro ponto desse boxixo que nunca encaixou pra mim foi a natureza das provas do Chico. Por que Kardec, reencarnado, teria que passar pelo que Chico passou? Sua vida como Kardec nao dava pistas dele precisar das provas de que Chico enfrentou...
Mas os problemas do Chico teve tudo a ver com as açoes da medium Ruth-Cèline Japhet, que trabalhou com Kardec e que o pesquisador afirma ter sido Chico Xavier.
E apesar de toda a luz e amor que a medium Ruth-Cèline Japhet ja tinha no coraçao (que Chico continuou tendo), ela nao compreendeu que a mediunidade nao era uma profissao e cobrava para trabalhar, uma pratica comum na Europa daqueles tempos.
Na sua limitaçao evolutiva, Japhet chegou a exigir que o direito sobre a publicaçao dos textos por ela psicografados era seu.
Tudo isso acabou gerando o rompimento entre ela e Kardec.
E dando origem à natureza ds provas de Chico de trabalhar como medium sem jamais ganhar um tostao com isso e reconhecendo todo o tempo de que a autoria dos textos eram dos espiritos, doando os direitos autorais à caridade.
A lei de açao e reaçao agindo em toda a sua grandeza.
Nao me interesso em saber quem fui em outras vidas e nem quem Chico foi ou deixou de ser. Esta mensagem apenas aumentou a minha crença de que nada é por acaso e de que cada dor tem um sigificado e uma razao de ser.
Esta mensagem aumentou o meu senso de responsabiliadade sobre a minha semeadura.
O que voce esta semeando? Pense nisto!
Um abraço carinhoso em todos.
Fiquemos em Deus
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AS REENCARNACOES DE CHICO XAVIER E A LEI DE AçAO E REAçAO
Em 2001, inspirado em ideia do meu amigo Hermínio Corrêa de Miranda (no cap. 13 do Eu Sou Camille Desmoulins), iniciei a produção da obra "Quem foi Quem", sequenciando cerca de mil e quinhentas reencarnações e perto de setecentas entradas.
Compendiei revelações de obras confiáveis, entre clássicas, mediúnicas e de estudiosos sérios do espiritismo, além de alguns casos de tradição consagrada e bem aceita. Hoje, terminado o trabalho mais pesado, devo dizer que dois terços da livro foram completados por meu filho Luciano dos Anjos Filho, bem assim por algumas outras colaborações de membros do Grupo dos Oito, como o Pedro Miguel Calicchio (já desencarnado), a Viviane Albuquerque Calicchio e o Jorge Pereira Braga. Certos percalços de saúde atrasaram bastante o arremate, mas eis que estamos agora na revisão final. É um repositório de fôlego, com breves biografias de
cada personagem, sem faltar a fonte em que nos baseamos.
Pois desde aquela época, bem antes de avolumar-se a poluição dessa línguanegra vocalizadora de que Chico Xavier é Allan Kardec, ali já estava inserido o verbete Francisco Cândido Xavier nos seguintes registros cronológicos, alguns nomes anotados nos primórdios da década de 60):
Hatshepsut, rainha faraó (séc. XV a.C.)
Hebreia no Egito (entre o séc. XVIII a.C. e o séc. XIV a.C.) -
Judia em Canaã (c. séc. XIII ou posterior)
cidadã grega (c. 600 a.C., séc. VII a.C.)
Chams, princesa (século VI a.C.)
cidadã Síria (período a.C. até d.C.)
cidadã cartaginense (entre os séc. X a.C. e séc. II a.C.)
Flávia Lêntulus (séc. I )filha do senador romano, encarnaçao de Emmanuel
Lívia (séc. III)
Joana, a Louca (1479-1555)
Verdun, abadessa (séc. XVI)
Jeanne d’Alencourt (séc. XVIII)
Ruth-Céline Japhet (1837)
Dolores del Sarte Hurquesa Hernandez (séc. XIX)
Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier (1910-2002)
Por volta de 1999, enviei para o Chico e, em 2008, também para o Divaldo Pereira Franco, o verbete de cada qual, pedindo-lhes que, se fosse o caso, me indicassem algum reparo aconselhável. Nenhum dos dois se opôs a nada.
A reencarnação do Chico como sendo a Ruth-Céline Japhet me
havia sido repassada desde 4.8.1967, quando o Abelardo Idalgo
Magalhães esteve com o médium em Uberaba e, lado a lado, foi anotando
as vidas pregressas do Chico personificadas nos romances de Emmanuel.
Tenho esse quadro comigo até hoje com a assinatura do Abelardo. A
Ruth-Céline não aparece porque não foi personagem de nenhum dos
romances, mas o Abelardo também falou dela, a meu pedido, e recebeu a
confirmação. Eu já sabia desde aquela década, em mero exercício
especulativo. Essa mesma confirmação o Divaldo Pereira Franco ouviu
diretamente do Chico, que tinha acabado de chegar de Paris, onde
visitara o túmulo do Codificador. Ainda mais. Muitos anos antes, foi o
mesmo Chico quem fizera igual revelação para um dos seus maiores
amigos e confidentes, o Arnaldo Rocha, marido da Meimei, esse espírito
maravilhoso que nos ditou mensagens de elevado teor evangélico.
Destaco como importante que, de todos os que andam por aí se jactando
de terem ouvido declarações do Chico, ou tirando conclusões por conta
própria de que ele era Allan Kardec, nenhum deles viveu a intimidade
vivida pelo Arnaldo Rocha. E, ainda este ano, quando mais uma vez
esteve aqui em minha residência, o Arnaldo voltou a me afirmar que o
Chico era a Ruth-Céline Japhet. Também há pouco menos de um mês, no
programa da Globo News em homenagem ao centenário do Chico, ele
retomou o assunto e, em resposta a pergunta que lhe foi feita, falou,
até com certo enfado, que não passa de bobagem essa ideia de que Chico
Xavier era Allan Kardec. Anote-se que o Arnaldo Rocha é
reconhecidamente espírita sério, honesto, de inatacável probidade.
Ninguém, absolutamente ninguém, no momento, tem mais autoridade do que
ele para colocar um ponto final nessa ficção que o bom senso e o
conhecimento da doutrina espírita deveriam de há muito ter inumado.
Já em agosto do ano passado, em entrevista concedida ao site
“Espiritismobh”, o Arnaldo havia divulgado, , que, num diálogo
acontecido em 1946, o Chico lhe revelara que era a reencarnação da
Ruth-Céline. O Arnaldo só não incluiu essa revelação no livro Chico –
Diálogos e Recordações, de autoria do Carlos Alberto Braga, porque,
transcorridos tantos anos daquele diálogo, ficou em dúvida se se
tratava da Céline Japhet ou da outra médium de Kardec, que ele supunha
chamar-se Céline Baudin. Na verdade, essa outra se chamava Caroline
Baudin. Posteriormente, o Arnaldo dirimiu a dúvida, conforme relatou
em entrevista mais recente, divulgada no mesmo site. “Tive a
oportunidade de ir ao Rio encontrar um amigo muito querido, Luciano
dos Anjos. Questionado por que não coloquei a história da Rute Celine
Japhet no livro, respondi que fiquei muito em dúvida com os nomes,
pois sabia da existência das duas Celines. Ele então me respondeu que
a médium auxiliar de Kardec era a Rute Celine Japhet, judia e
desencarnada em 1885.”
Conversamos, sim, sobre o livro. Ele me expôs as razões e eu lhe
expliquei que apenas a Japhet se chamava Céline e que, portanto, era a
ela que o Chico se referira. Não existiu uma Céline Baudin. Mesmo
porque, eu também já tinha essa informação desde há muito tempo e lhe
pedira que aguardasse alguns detalhes que eu lhe passaria. Apenas
questão de datas, pois o Arnaldo já sabia de tudo.
Ultimamente tem crescido esse movimento que vem fecundando a biografia
do Chico com o radicalismo de ideias canonizantes. A personalidade de
Francisco Cândido Xavier nunca teve nada, nada a ver com a do
Codificador. E o próprio Chico ressaltou essa diferença, em declaração
publicada no Diário da Manhã, de Goiás, de 28.8.1998, e que me dispus
a propalar pela internet, em nota de 29.3.2010. Chico Xavier, como
vimos aqui, no início desta matéria, tem sido sempre mulher. E,
diga-se, nesta última vida de médium, foi uma grande mulher, com
sentimentos que mostraram ao mundo o valor de saber ser mulher num
corpo masculino. Isso é muito difícil, mas o Chico, nesse particular,
foi um vitorioso, vencendo tendências naturais que lhe poderiam ter
arrastado ao fracasso da missão.
Nesse entrecho, tem acontecido até anedota de humor despudorado.
Médica espírita de São Paulo publicou artigo na Folha Espírita,
alegando que o Chico não se casou da mesma forma que também Allan
Kardec não viveu maritalmente com Amélie Boudet. Teria existido entre
o casal apenas um amor platônico, daí não terem tido filhos (?!). A
que delirante paroxismo chegamos. Vale tudo para colocar Kardec como
santo católico, na mesma vestalidade das fêmeas mais pulcras. Ora,
convenhamos: para estar a par de uma intimidade tão grande entre os
dois só se admitindo – concluem os piadistas – que a doutora é a
Amélie Boudet reencarnada. E já não duvido de que ela venha a público
fazer essa fantástica confissão de identidade. A essa altura, espero
por qualquer esquizofrenia.
Voltarei ainda à figura de Francisco Cândido Xavier. Por
agora, vamos conhecer melhor Ruth-Céline Japhet, sobre quem, aliás,
Allan Kardec nos deixou muito poucas informações, o que, de resto,
também o fez em relação aos demais médiuns que participaram do preparo
de O Livro dos Espíritos. Esclareceu ele que assim agiu para evitar
exatamente o que hoje vêm fazendo com Francisco Cândido Xavier, que
até procissão pelas ruas de Pedro Leopoldo já ganhou. Tem mais. Já há
gente fazendo-lhe romaria ao túmulo para recolher lágrimas que
“surgem” dos olhos do busto de bronze. Na continuidade do show
carismático, acaba de ser produzido um hino a Chico Xavier, cuja
letra, diga-se, é desoladoramente trash. Mas, nada estará perdido.
Talvez sirva para acompanhamento nas novenas, que com certeza
surgirão. É por isso que creio já ser hora tardia de resgatar da
vulgaridade essa atual febre de negativa propaganda do espiritismo.
Ruth-Céline Japhet na realidade se chamava Ruth-Céline Bequet. O
sobriquet Japhet ela o adotou para identificar-se como sonâmbula
profissional. Reencarnou em 1837, na província de Paris, cujo local
exato não consegui localizar. No ano de 1841, ainda morava por lá, com
os pais, quando ficou gravemente doente, impedida de caminhar. Sua
infância lembra os infortúnios de Chico Xavier, tal a luta que
empreendeu pela saúde combalida. Era médium desde pequena, mas só por
volta dos 12 anos começou a distinguir a realidade entre este mundo e
o espiritual. Na infância, confundia os dois. Acamada por mais de dois
anos, foi um magnetizador chamado Ricard quem constatou que ela era
médium (sonâmbula, na designação da época), colocando-a em transe pela
primeira vez. Mas não fizeram mais do que três sessões. Impaciente com
a ineficácia dos remédios que tomava para recuperar os movimentos das
pernas, seu irmão resolveu, por conta própria, magnetizá-la, assim
tentando durante seis semanas seguidas. O resultado foi fantástico.
Ela conseguiu levantar-se e voltou a caminhar com o auxílio de
muletas. Nessas condições assim ficou por quase um ano (onze meses),
depois do que, afinal, pôde dispensar as muletas, claudicando embora.
Em 1845, quando ainda tinha 2 anos, a família, empolgada pelos
resultados obtidos com os passes magnéticos, resolveu seguir para
Paris, à procura do magnetizador Ricard, aquele que houvera feito com
Ruth-Céline as primeiras experiências. Então ele a levou ao colega
Millet, em cuja residência acabou conhecendo outro magnetizador
famoso, o sr. Roustan (não confundir com o grande missionário
Roustaing), que estudava o magnetismo de cura desde 1840. Ele morava
na rue Tiquetone nº 14 e negociava com joias, na rue des Martyrs nº 19
(outras referências indicam o nº 46).
Foi a partir desse contato e diante de todos os benefícios amealhados,
que ela assumiu a condição de sonâmbula profissional (médium
profissional), sob o controle de Roustan. E passou a adotar o nome de
Ruth-Céline Japhet (srta. Japhet).
Explique-se que, naquela época, e até mesmo hoje, em
países como os Estados Unidos, a Inglaterra e a própria França, só
existiam médiuns remunerados e era comum a adoção de “nomes de guerra”
Ainda estava por surgir a doutrina espírita. Transformado em febre na
Europa, o espiritismo se constituía apenas em bases fenomênicas,
importado não há muito da América. Allan Kardec é quem vai dar um novo
rumo ao seu desenvolvimento prático, acrescentando-lhe o principal,
isto é, conteúdo sério e sentido moral.
Daí que, como não poderia deixar de acontecer – e veremos isso adiante
–, Allan Kardec não pôde exonerar-se de algumas divergências com suas
médiuns, em especial a principal do grupo, srta. Ruth-Céline Japhet.
Ela permaneceu atendendo ao seu público durante quase três anos
seguidos, dando consultas médicas que lhe eram transmitidas por Samuel
Hahnemann, fundador da homeopatia, Anton Mesmer, fundador do
mesmerismo, e por seu próprio avô. Também lhe apareciam, ditando
mensagens de orientação, Teresa d’Ávila e outros benfeitores
espirituais.
Sigamos a cronologia. Roustan levou-a, em 1849, para uma sessão no
palácio do conde d’Ourche, em Vincennes. Estavam presentes: o conde e
a condessa d’Ourche, o barão Louis de Guldenstubbé (possuo sua obra em
minha biblioteca) e sua irmã Sônia, o casal De Lagia, o filósofo
holandês barão Tiedeman-Marthèse, o sr. e a sra. Roustan, e o sr.
Japhet, pai de Ruth-Céline. Funcionou como médium Mme. Abnour, que
havia acabado de retornar da América e estava mais familiarizada com
os fenômenos de magnetismo. Ruth-Céline, com 12 anos, era a mais jovem
dos presentes. Ao término dos trabalhos, Mme. Abnour aproveitou aquele
encontro para convidar Guldenstubbé, Roustan e a Ruth-Céline para
formar um grupo particular que, com mais a integração de Abbé Chatel e
das três demoiselles Bauvais, passaram a se reunir na casa onde então
morava o sr. Japhet e sua filha, na rue des Martyrs nº 46 . Ao todo
eram nove pessoas.
A partir da primavera de 1851, as sessões aconteciam duas vezes por
semana, sob a direção do sr. Japhet, que era médium intuitivo, e com
Roustan prosseguindo no auxílio médico-espiritual à srta Japhet, cuja
saúde, em geral, continuava sempre bastante precária. Ela mesma
funcionou ali mediunicamente desde 1851 até 1857, ou seja, dos 14 aos
20 anos.
No ano de 1855, participavam das reuniões: Tierry, Taillandier,
Tillman, Ramón De la Sagia, Victorien Sardou e seu filho, o casal
Roustan e, naturalmente, o sr. Japhet, a essa altura já viúvo, e a
filha Ruth-Céline. Outra importante presença era Adèle Maginot, a
médium principal de Alphonse Cahagnet, o maior magnetizador da época.
Com ele, praticamente todos os magnetizadores de então iniciaram o
aprendizado, inclusive Roustan. Pois bem, Roustan considerava
Ruth-Céline médium superior a Adèle Maginot.
Essas sessões copiavam o modelo norte-americano trazido por Mme.
Abnour: Ruth-Céline ficava no centro do salão rodeada pelos demais
participantes, com as cadeiras em forma de ferradura. Os espíritos se
valiam da tiptologia e, às vezes, da psicofonia. Assim aconteceu e se
estendeu até meados de 1864, bem depois de já haver sido lançado O
Livro dos Espíritos. As comunicações recebidas eram consideradas por
todos como excelentes, de alto valor instrutivo.
Em 8 de maio de 1855, Allan Kardec assistiu pela primeira vez a uma
sessão de espiritismo (mesas girantes), na residência da sra.
Plainemaison, na rue Grange-Batêlier nº 18. Ali conheceu o sr. Japhet
e sua filha Ruth-Céline. Ele era guarda-livros (espécie de contador)
em casas comerciais.
Victorien Sardou tinha o seu próprio grupo de magnetizadores e há
cinco anos vinha frequentando as sessões em casa do sr. Roustan, na
rue Tiquetone nº 14. Ele é quem teria passado para Allan Kardec os
cinquenta cadernos com as anotações dos espíritos, ponto de partida de
O Livro dos Espíritos. Segundo outras fontes, Carlotti, velho amigo do
professor Rivail e que também integrava o grupo, é quem teria
repassado os cadernos. Frequentavam essas sessões: Victorien Sardou e
seu pai, o professor e lexicógrafo Antoine Leandre Sardou; o futuro
acadêmico Saint-Renné Taillandier; o livreiro e editor Pierre-Paul
Didier; Tiedeman-Marthèse; e outros.
Naquele exato ano, no dia 1º de agosto de 1855, Allan Kardec é levado
a participar das sessões em casa do sr. Baudin, cujas filhas Caroline
e Julie atuavam como médiuns, na rue Rochechouart nº 7. A primeira
reunião com a presença de Kardec realizou-se numa quarta-feira. Baudin
era fazendeiro, cultivava açúcar, na ilha da Reunião, território
francês no oceano Índico. Nos primeiros momentos, o Codificador quase
abandona tudo, dada a frivolidade das sessões. Mas ele mesmo dá novo
rumo às reuniões e ali tem início o esboço de O Livro dos Espíritos,
seguido da confecção de grande parte da obra. Baudin mudou-se depois
para a rue Lamartine nº 32. Ainda em 1855, Allan Kardec é levado por
seu amigo Victorien Sardou (outras fontes dizem que o convite partiu
do sr. Leclerc) à casa do sr. Japhet, cuja filha contava 18 anos.
Em 1856, Allan Kardec começou a frequentar também as sessões em casa
do sr. Roustan, na rue Tiquetone nº 14, onde Ruth-Céline psicografava
com a cesta de bico (corbeille-toupie). Durante certo tempo,
participou das reuniões nas casas do sr. Roustan e do sr. Japhet.
Ruth-Céline Japhet era sempre a médium principal, havendo Allan Kardec
assegurado que essas reuniões “eram sérias e se realizavam com ordem”.
Tanto mais que ali se manifestou, pela primeira vez, O Espírito da
Verdade.
Amélie Boudet (a Gabi, mulher de Allan Kardec) acompanhava-o sempre.
Ali, teve início o seu trabalho missionário, quando passou de
observador atilado a condutor dos objetivos das reuniões. O professor
Rivail logo percebeu que as respostas dos espíritos eram de conteúdo
transcendente e deveriam ser conduzidas no melhor aproveitamento.
Javary era um dos mentores (na época chamados de guia) das sessões de
caráter público. Esse nome encobria um espírito que, na encarnação
anterior, havia sido índio americano. A partir de então, a história é
bastante conhecida. Assumindo de fato o controle das sessões, Rivail
recolhe delas notáveis revelações, que irão comparecer nas páginas de
O Livro dos Espíritos. Propõe abrir os trabalhos às 20 horas, com uma
prece e introduz novo método de perguntas. Na reunião de 1º de janeiro
de 1856, estavam presentes: Zéfiro, Agostinho, João Evangelista,
Vicente de Paulo, Sócrates, Fénélon, Swedenborg, Hahnemann. Reuniam-se
às quartas-feiras e sábados. Desde abril de 1856, as médiuns passaram
a usar a pena de pato em vez da corbelha tupia.
Nos primeiros momentos, a maior parte das respostas vieram pela
mediunidade das irmãs Caroline e Julie Baudin, aliás, amigas íntimas
de Ruth-Céline. Em 1856, a família Baudin estava morando na rue
Lamartine nº 32. Os pontos mais importantes, no entanto, foram
psicografados pela Ruth-Céline. Foi também por intermédio dela que o
professor Rivail recebeu, no dia 30 de abril de 1856, a primeira
notícia sobre a sua missão. E também que soube da sua encarnação
passada, ao tempo de Júlio César, nas Gálias, quando havia sido um
sacerdote druida chamado Allan. Depois, pelo médium Roze, que irá
colaborar na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, os espíritos
revelaram que o complemento do nome era Kardec. Esta versão de que o
nome foi revelado de maneira fracionada, em duas etapas, é da srta.
Japhet, em conversa com Aksakof. Posteriormente é que Rivail teria
feito a junção dos dois, na onomatópose que encobriria seu verdadeiro
nome e que lhe teria custado algumas críticas, bastante injustas por
sinal, durante o famoso Processo dos Espíritas. Allan Kardec narra que
foi Z. (Zéfiro), seu espírito protetor, quem revelou o nome e que os
dois viveram juntos nas Gálias. Acrescentou, noutra oportunidade, que
também as irmãs Baudin eram gaulesas, encarnadas naquela mesma época
de Kardec. Por sua vez, quase todos os do grupo da srta. Japhet eram
antigos semitas, convertidos ao cristianismo. Já Ermance Dufaux –
aproveito para revelar – recebeu de outro guia, noutro local, notícia
de que vivera igualmente naquele grupo gaulês de Kardec. Apenas,
concluiu-se, Ruth-Céline era egressa doutra região.
As irmãs Baudin foram, portanto, as que mais concorreram para a
primeira fase dos trabalhos de composição de O Livro dos Espíritos.
Contudo, os espíritos recomendaram que fosse feita uma revisão ampla,
de ponta a ponta, trabalho então realizado com a contribuição da srta.
Japhet em sessões particulares, na residência de Roustan, na rue
Tiquetone nº 14. Essa foi, pois, a tarefa principal, que se estendeu
de junho a dezembro de 1856, tendo Alllan Kardec declarado que a
médium “se prestou com a maior boa vontade e o mais completo
desinteresse a todas as exigências dos espíritos” (Revue Spiriite,
1858, p. 36). Quanto ao desinteresse, parece que não foi bem assim...
Em princípios de 1857, Allan Kardec encaminhou à editora os originais
e, em 18 de abril de 1857, como todos sabem, é lançado, no Palais
Royal, O Livro dos Espíritos, de repercussão imediata. Kardec arcou
com todos os custos, pois o barão Tiedeman-Marthèse, amigo pessoal,
“não quis prestar o seu concurso pecuniário”, conforme apelo do
Codificador. E aqui começam os contratempos, muito bem escamoteados do
público em geral. Ruth-Céline Japhet estava com 20 anos.
Após essa data, Allan Kardec deixou o grupo do sr. Japhet e passou a
fazer reuniões na sua própria residência, ali bem ao lado, na rue des
Martyrs nº 8, onde morou de 1856 a 1860, ano este em que se mudou para
a passage Sainte-Anne nº 59, sede também da Revue Spirite.
Ruth-Céline, Caroline e Julie estavam noivas e logo se casaram. Allan
Kardec explica, sucintamente, sem entrar em detalhes, que, pelos fins
de 1857, as duas Baudin se casaram, as reuniões cessaram e a família
se dispersou. Ruth-Céline, não mencionada, também se casou e,
estranhamente, nunca mais se falou delas. Há registros de que, por
essa ocasião, pretendeu-se realmente fazer descer sobre a médium
Japhet uma cortina de silêncio, ao tempo em que se distinguiam, nos
círculos de estudiosos, dois pensamentos distintos quanto à questão da
reencarnação (espiritualistas versus magnetistas). Concomitantemente,
Mme. Japhet, afastada, guardava algumas desolações enquanto espalhavam
que ela havia desencarnado, por conta de descompassos com membros do
grupo da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Nesse grupo
deveria de fato haver pessoas complicadas, pois o próprio Allan Kardec
irá escrever, mais tarde, que foi traído dentro da entidade. Sem
embargo, apesar de dada como morta, a verdade é que Mme. Japhet
prosseguiu dando consultas até pelo menos meados de 1873, época em que
morava com o marido em Paris, na rue des Enfants Rouges, G.
Como geralmente acontece (até no seio do apostolado de Jesus
aconteceu), o lançamento de O Livro dos Espíritos provocou impacto
estrondoso em todos os círculos religiosos e culturais, mas trazendo
também no seu bojo algumas dissensões internas entre os integrantes do
grupo de Roustan, onde havia permanecido a srta. Japhet, e o grupo que
acompanhou Kardec para as sessões na sua residência, onde viria a ser
preparada a segunda edição definitiva de O Livro dos Espíritos.
Allan Kardec nunca escondeu que Ruth-Céline Japhet e as irmãs Caroline
e Julie Baudin foram suas médiuns principais. O trabalho da srta.
Japhet, após passar à modalidade direta de psicografia, era
completamente mecânico, pelo que ela tinha inclusive dificuldade em
seguir o enredo do que escrevia. Sem embargo de nunca haver sido
impedida por seu guia espiritual, ela não se atrevia a escrever a sós.
O trabalho final da revisão de O Livro dos Espíritos, inclusive a
Introdução e a Conclusão, foi feito quase que integralmente através da
mediunidade dela, na casa dela, às vezes com a colaboração do seu pai
em alguns pontos considerados mais difíceis. Já a revisão da segunda
edição, de 1860, coube em grande parte à médium Ermance Dufaux,
realizada na residência do próprio Codificador.
Ainda na conversa que teve, em 1873, com o conhecido pesquisador russo
Alexandre Aksakof, a sra. Japhet, já casada, se lamentou de que não
havia recebido nenhum exemplar de O Livro dos Espíritos e que Allan
Kardec, ao se afastar do seu grupo para montar o próprio, com o médium
Roze, levara um maço de manuscritos com os quais, em parte, foi
composto O Livro dos Médiuns, em 1861. Tentara reavê-los, mas soube
apenas que Allan Kardec havia sugerido que ela reclamasse na Justiça.
Essa foi a sua declaração, ao confessar-se magoada com os
acontecimentos da época que, no fundo, ocultavam algo pelo menos
estranho.
Contudo, não devemos precipitar ilações que podem estar divorciadas
das intenções. Em primeiro lugar, seria preciso saber de quem eram os
manuscritos. Da médium, ou de Kardec? Mensagens e respostas vinham
pela mediunidade dela, mas as questões costumavam ser propostas por
Kardec. Provavelmente, não desejando que se criasse uma situação de
desconforto para os dois, Kardec preferiu acenar com as leis
pretendendo talvez que tudo se resolvesse no âmbito imparcial da
Justiça, caminho muito natural para os que almejam contornar
pendências pessoais. No fundo, é até justo supor que de fato existia
no mal estar uma circunstância importante para ambos. Ruth-Céline
também lamentou não ter seu nome e nem o dos demais médiuns nos livros
publicados. Seria uma compensação para quem trabalhara de graça. Ora,
tendo produzido grande parte do texto e a integral revisão da obra, a
médium vivia, no mais, uma época de ignorância em que a mediunidade
valia dinheiro. Portanto, ela estaria se considerando prejudicada.
Allan Kardec, por seu turno, que ganhava dinheiro com suas obras
pedagógicas (justa remuneração de seu esforço profissional),
prontamente despertou para uma visão ética muito mais profunda da nova
religião que acabara de codificar. Não poderia concordar, mesmo que
quisesse e pudesse – como poderia, é claro, se houvesse falhado na
missão – com uma mercantilização que desmoralizaria, na origem, o
ensinamento dos próprios espíritos no sentido de que nenhum produto
espírita, notadamente mediúnico, deveria ser remunerado. Acresce que o
público, embora estivesse acostumado a isso, dificilmente acreditaria
numa nova mensagem cristã-espírita sabendo que havia sido obtida à
custa de dinheiro. Porém, esse era conceito muito novo para ser
entendido de pronto pelos médiuns profissionais da época... Allan
Kardec, em sua visão missionária, assimilou muito bem e mais rápido
ainda a importância desse critério e não poderia ceder; mas a srta.
Japhet e todos os sonâmbulos contemporâneos não tinham a menor
capacidade de alcançar todos os valores dessa estranha moral. Há,
pois, que se entender o Codificador; e perdoar a mais qualificada
médium do período.
Kardec e Japhet eram missionários, mas faltava a ela a visão luminosa
que aflorou nele em relação a seus respectivos papeis e à substância
dos preceitos da Terceira Revelação. Reencarnacionistas, médium e
Codificador não tinham mais nenhuma dúvida a respeito dessa questão
fundamental e, pois, estavam do mesmo lado; mas a questão da omissão
do seu nome na obra e da renúncia forçada a quaisquer pagamentos
profissionais, convenhamos que era demais para o entendimento dela.
Nesse ponto, Allan Kardec exibia anos-luz de progresso espiritual e
rapidamente assimilou o juízo ético. De qualquer forma, como ninguém
tem o direito de alegar desconhecimento da lei, o espírito Ruth-Céline
Bequet não se perdoaria, na espiritualidade, desse comportamento e
desse inconformismo, impondo-se a si mesma uma nova missão em que, nas
mesmas condições de grande médium, pudesse vencer todas as tentações
para testemunhar seu desprendimento total, sua humildade extrema e seu
amor incondicional em favor da doutrina de Jesus
Assim, aquela crise do século XIX se transformou num cravo para o
espírito que, no século seguinte, reencarnaria no Brasil comprometido
em ampliar seu esforço mediúnico no trabalho desinteressado de
desdobramento da revelação. Ruth-Céline Japhet conseguira evoluir o
bastante para cair em si e consertar seu posicionamento anterior. Essa
parte da história é recente e todos conhecem. A largueza foi sempre
um marco de honra na mediunidade do missionário de Pedro Leopoldo e
Uberaba. Viveu a vida toda como prisioneiro de invencível respeito à
humildade. Francisco Cândido Xavier refugou sistematicamente qualquer
tentativa, direta ou indireta, que pela vida afora foi surgindo em
termos de remuneração material. Nunca aceitou qualquer tipo de
compensação, e viveu do seu trabalho de escriturário, depois de sua
mísera pensão oficial e, mais na velhice, da ajuda que amigos
particulares lhe ofereciam, mas sempre em troca de nada. Conheci
alguns deles.
Era preciso reparar aquele tropeço do passado. Conseguiu. Chico Xavier
foi um vencedor e sabia que teria, agora, de se sacrificar até aos
limites do impossível para exemplificar o que poderia ter aprendido,
nesse particular, no convívio pessoal com Allan Kardec. Teve sempre
repulsa – esse é o termo exato – a qualquer tipo de compensação por
seu trabalho. E ele arrostou períodos de grandes dificuldades e de
grandes tentações. Mas manteve altaneira a dignidade e a sua
credibilidade mediúnica. Nunca teve adrenalina para acompanhar os
acontecimentos que lhe envolviam o nome associando-o ao direito de ser
recompensado na terra.
Inobstante, é sempre necessário repisar que Ruth-Céline foi uma mulher
de muitas virtudes e muito afeto. Simpaticamente romântica, era uma
figura que se destacava do biotipo francês. Tinha personalidade,
talento próprio e uma alma generosa, reconhecida por todos que
privavam da sua amizade e da sua intimidade. Não era sem motivo que
Amélie Gabrielle Boudet a tratava de filha. Magrinha, pálida,
esculpida de grandes olhos negros e de espessa cabeleira negra, com
marcantes traços judaicos dos povos orientais. Muitos a julgavam de
origem árabe. Sua vida misturou dor e amor, num caleidoscópio de belas
emoções.
Ruth-Céline Japhet teve uma encarnação como hebreia, no Egito; depois,
retornou como judia, em Canaã; viveu nova encarnação na Palestina; e
uma outra vida como moura, em Portugal. O ramo de sua família
descendia remotamente de mouros portugueses, convertidos há séculos ao
cristianismo. Essas encarnações, levantadas pelo erudito pesquisador
Canuto Abreu, tiveram, por escrito, o endosso de Emmanuel, através do
próprio médium.
Bem, essa é a história de Ruth-Céline Bequet, conhecida por srta.
Japhet, e que veio reencarnar no Brasil como Francisco Cândido Xavier,
conhecido por Chico Xavier.
E, antes de encerrar e para esfriar de vez o fricote dos
mais fanáticos, chamo atenção para três fatos capitais:
1. Há uma comunicação de Allan Kardec, ditada em 30.3.1924, e
publicada na Revue Spirite de julho de 1924
2. Francisco Cândido Xavier tinha Zilda Gama na conta de médium
excepcional, sobre quem escreveu para o presidente da FEB, em 1946,
expressando seu contentamento e reconforto pela notícia de mais um
livro por ela psicografado. Pois é dela mensagem de Allan Kardec,
recebida em 27.12.1912, estampada, com mais outras, no seu precioso
livro Diário dos Invisíveis (possuo a 2ª edição de 1943).
3. Na década de 60, Francisco Cândido Xavier admitiu, para um grupo
reservado de amigos, que Allan Kardec já estava reencarnado. Nascido
no Brasil, foi estudar na Suíça e vive lá até hoje, com dupla
nacionalidade (A.L.R.). A hipótese – já completamente descartada –
tinha ao menos um mínimo de coerência. Trata-se de professor humanista
de notável erudição, principalmente filosófica, e é admirado pelos
círculos mais cultos do magistério suíço. Só que ele mesmo não quer
nem ouvir falar do assunto.
Relacionei, no início deste texto, estas e outras reencarnações que
pude registrar desse espírito maravilhoso. Como pode ser observado,
trata-se de espírito que tem voltado sucessivamente na forma feminina,
ocorrendo a exceção apenas agora, no Brasil de 1910, tendo em vista a
missão com a qual se comprometera. Se mais uma vez tivesse vindo como
mulher, principalmente naquele início de século, jamais teria qualquer
chance de se fazer ouvido e respeitado. O preconceito era muito
marcante e impeditivo de qualquer nivelamento dos sexos.
E cabe a indagação: vindo como veio num corpo masculino, quem
cometeria o despautério de achar que aquela personalidade não era uma
mulher declarada, em todos os sentidos? Seu psiquismo jamais traiu a
aparência, a feminilidade. Sua psicologia behaviorista tinha o carimbo
consagrado dos automatismos, dos reflexos, dos gestos, dos meneios,
dos maneirismos de delicada, colorida e formosa mulher.
É possível, em sã consciência, identificar nesse perfil
dúlcido, dúctil e delicado qualquer sinal da robusta, varonil,
vigorosa personalidade de Allan Kardec? Só à conta de intragável
degenerescência neurônica de idólatras apedeutas e falastrões.
Insistir nesse desconchavo não passa de mais uma ideia desonesta com o
espiritismo.
LUCIANO DOS ANJOS
Rio, 5.5.2010
* Patrícia Nascimento Delorme, 38, mãe do Luka, terapeuta de reiki e jornalista. Na lida com a semeadura pra colheita nao ser muito espinhosa. Seu e-mail: patiedelorme@gmail.com