Foto: Pierre Yves Refalo
Toró nr. 59. Matoury-Guiana Francesa, 18 de agosto de 2009.
Fuçando na internet, encontrei essa belissima participaçao do Gilberto Gil no programa SR. Brasil, do Rolando Boldrin, na TV Cultura. Para ver no Youtube, clique aqui.
Quanto a mim, so posso agradecer a Deus por ter nascido em terras onde se vive tamanha liberdade espiritual e poesia.
SE EU QUISER FALAR COM DEUS
Gilberto Gil
1980
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
Narraçao do Boldrin baseado no texto de Guimaraes Rosa:
"Quanto mais testo, penso e explico é que todo mundo é louco.
Todo mundo é louco. Eu, a senhora, o senhor. Todo mundo é louco.
é por isso que se carece muito de religiao. Pra desdoidar, pra desendoidecer. Reza é que cura da loucura, no geral. Muita religiao, seu moço.
Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de tudo quanto é rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, e a doutrina dele é do Kardec. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente metodista; a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, ora, cantando hinos belos deles. Tudo isso me aquieta. Tudo isso me sustenta."
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
Curiosidade sobre a cançao escrita pelo Gil:
"O Roberto (Carlos) me pediu uma canção.
Do que eu vou falar? Ele é tão religioso...
E se eu quiser falar de Deus? E se eu quiser falar de falar com Deus?' Com esses pensamentos e inquirições feitas durante uma sesta, dei início a uma exaustiva enumeração: 'Se eu quiser falar com Deus, tenho que isso, que aquilo, que aquilo outro'. E saí. À noite voltei e organizei as frases em três estrofes.
O que chegou a mim como tendo sido a reação dele, Roberto Carlos, foi que ele disse que aquela não era a idéia de Deus que ele tem. 'O Deus desconhecido'. Ali, a configuração não é a de um Deus nítido, com um perfil claro, definido. A canção (mais filosofal, nesse sentido, do que religiosa) não é necessariamente sobre um Deus, mas sobre a realidade última; o vazio de Deus: o vazio-Deus."
Gilberto Gil
http://www.gilbertogil.com.br/sec_discografia_obra.php?id=260
* Patrícia Nascimento Delorme, 37, mãe do Luka, terapeuta de reiki e jornalista, lambendo o chao dos palacios e castelos suntuosos do meu sonho. Seu e-mail: patiedelorme@gmail.com