quarta-feira, agosto 05, 2009

“A tua lucidez não te deixa ver…”


Toró nr. 58. Matoury-Guiana Francesa, 05 de agosto de 2009.

Assisti o documentario "Estamira", do genial Marcos Prado, aqui no meu exilio franco-amazonico.
A edição e fotografia são força e poesia. A musica do Décio Rocha é pura emoção.

Depois de chorar uma semana pela Estamira, por mim e pelas Estamiras do mundo, escrevi para o Marcos Prado. Precisava saber como ela estava. E ele me respondeu:

"Oi Patrícia,
Estamira vive numa casa nova que construímos para ela, no mesmo lugar de sempre. Ela recebe uma mesada para a ajuda de custo e não mais freqüenta o Lixão. A saúde dela está bem debilitada, mas a vida segue em frente. Ela ainda toma remédios para os distúrbios mentais e oscila entre a lucidez e a "inlucidesi".
Boa sorte e um abraço,
Marcos Prado"

Chorei por tudo o que Estamira viveu.
Chorei por tudo o que ela nao viveu.
Chorei por sua força e fé.
Chorei pela minha covardia.
Numa cena marcante do filme, Estamira revela: "Tudo que é imaginado tem, existe, é."
Estamira sabe disso.
Eu li isso .
Estamira vive isso.
Eu li isso.

Em outra cena, Estamira desabafa:
"A vida é dura, dura, dura.
Por mais que a gente peleja, que a gente quer bem, que a gente quer O bem.
Mas... fica destraviado."

Estamira sabe disso. E eu também.

O fato é que senti tamanho respeito e amor pela Estamira que me preencheu o coraçao de ternura.
Queria ter o poder de tirar suas dores d'alma e do corpo com a mao.
Queria lavar seus cabelos, pentea-los. Abraça-la.
Até ela se sentir amada e amparada.
Até eu me sentir amada e amparada.

Talvez o amor que eu sinta pela Estamira seja saudades da mãe e da vozinha.
Talvez nao.

* Patrícia Nascimento Delorme, 37, mãe do Luka, terapeuta de reiki e jornalista, aprendendo com a lucidez e a "inlucidesi" da Estamira. Seu e-mail: patiedelorme@gmail.com


"ESTAMIRA é a história de uma mulher de 63 anos que sofre de distúrbios mentais e que durante 20 anos viveu e trabalhou no aterro sanitário de Jardim Gramacho.
Vencedor de 33 prêmios nacionais e internacionais nos principais festivais de cinema, sucesso absoluto de critica e documentário de maior público nos cinemas brasileiros em 2006, ESTAMIRA levanta questões de interesse global como o destino do lixo produzido pelos habitantes de uma metrópole e os subterfúgios que a mente humana encontra para superar uma realidade insuportável de ser vivida.
Dona ESTAMIRA vive em função de sua missão: "revelar e cobrar a verdade dos homens". Do lixo da civilização ela supera sua condição miserável e coloca em questão valores fundamentais, muitas vezes esquecidos pela sociedade.
"A insanidade de Estamira é uma linguagem de defesa diante de um mundo mais louco que ela. A sua loucura e a narração de uma sabedoria torta, de uma anomalia que salva de uma realidade, esta sim, terrivelmente insana" - Arnaldo Jabor, Cineasta e Jornalista

Pra mim, fica claro que Estamira rompeu com Deus criado à imagem e semelhança do homem para seguir solitaria o caminho dos misticos, aquele cheio de Verdade e pedras.

Assim falou Estamira:

"EU SOU A BEIRA DO MUNDO, EU TÔ LÁ, TÔ CÁ, TÔ EM TUDO QUANTO É LUGAR."

"DEUS? QUEM FEZ DEUS FOI OS HOMENS."

"A CULPA E DO HIPÓCRITA, MENTIROSO, ESPERTO AO CONTRÁRIO, QUE JOGA A PEDRA E ESCONDE A MÃO."

BONITO
"Bonito é o que se fez e o que se faz.
Feio é o que se fez e o que se faz."

INOCENTES
“A minha missão é ensinar o que eles não sabem: os inocentes. Aliás, não tem mais inocente. Tem é esperto-ao-contrário. Eu ja tive dó dos escravos. Hoje nao tenho mais não”.

TERRA
"A Terra disse, ela falava, agora que ela já tá morta, ela disse que então ela não seria testemunha de nada. Olha o quê que aconteceu com ela. Eu fiquei de mal com ela uma porção de tempo, e falei pra ela que até que ela provasse o contrário. Ela me provou o contrário, a Terra. Ela me provou o contrário porque ela é indefesa. A Terra é indefesa.
A minha carne, o sangue, é indefesa, como a Terra; mas eu, a minha áurea não é indefesa não. Se queimar os espaço todinho, e eu tô no meio, pode queimar, eu tô no meio, invisível. Se queimar meu sentimento, minha carne, meu sangue, se for pra o bem, se for pra verdade, pra o bem, pela lucidez de todos os seres, pra mim pode ser agora, nesse segundo, e eu agradeço ainda."

DEUS
"Que Deus é esse? Que Jesus é esse, que só fala em guerra e não sei o quê?! Não é ele que é o próprio trocadilo? Só pra otário, pra esperto ao contrário, bobado, bestalhado. Quem já teve medo de dizer a verdade, largou de morrer? Largou? Quem andou com Deus dia e noite, noite e dia na boca ainda mais com os deboches, largou de morrer? Quem fez o que ele mandou, o que o da quadrilha dele manda, largou de morrer? Largou de passar fome? Largou de miséria? Ah, não dá! Nesse Deus eu nao acredito. Pode picar a minha carne todinha que eu nao acredito."

TRABALHO
"Foi combinado alimentai-vos o corpo com o suor do próprio rosto, não foi com sacrifício. Sacrifício é uma coisa, agora, trabalhar é outra coisa. Absoluto. Absoluto. Eu, Estamira, que vos digo ao mundo inteiro, a todos, trabalhar, não sacrificar. Os trabalhadores do lixo são escravos disfarçados de libertos."




Para ver o filme, clique aqui.

Para conhecer o trabalho: http://www.estamira.com.br/

3 comentários:

  1. "Se queimar meu sentimento, minha carne, meu sangue, se for pra o bem, se for pra verdade, pra o bem, pela lucidez de todos os seres, pra mim pode ser agora, nesse segundo, e eu agradeço ainda."

    ^^

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  2. Os filhos da Vida são apresentados aos poucos uns aos outros. E cada um dos filhos da Vida possui em si uma força capaz de mover-se em direção ao Eterno seja pela dor ou pelo amor. E assim todos nós filhos da Vida recebemos a oportunidade, talvez ímpar, de deixar por onde passarmos um rastro de luz ou uma faisca que seja lampejada pelos pensamentos aparentemente sem razão para servir de orientação aos filhos do coração da Vida em anseio. Regenerando-se no ir e vir das vidas tantas quantas vezes forem necessárias. Ontem uma vida abraçava o artificial da imprevidência. Hoje a vida se renova revestindo-se como um girassol solidário em busca da luz da Verdade iluminada pela razão vivendo o que eu não vivo e que talvez ainda irei viver. Sua benção, Estamira, sua benção.

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  3. Bem aventurado os simples, porque estes são o reino dos céus.

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