terça-feira, julho 03, 2012

A distorção dos principios feminino e masculino

O Patiework de hoje é sobre a distorçao dos principios feminino e masculino ao longo da historia da humanidade e a participaçao ativa (e na maior parte das vezes, inconsciente) da mulher no seu processo de dependência e escravizaçao.

Para refletir sobre este tema proponho as palestras Pathwork de numeros 229 e 251 (baixar aqui) ou, para aqueles que preferem nadar em aguas mais profundas, o livro "Criando Uniao", da Fundaçao Pathwork.

Para ilustrar essas palestras, convido você a (re)ver o filme LIGAÇÕES PERIGOSAS (1988), do diretor Stephen Frears. No elenco, Glenn Close (Marquesa Isabelle de Merteuil), John Malkovich (Visconde Sébastien de Valmont), Michelle Pfeiffer (Madame Marie de Tourvel), Uma Thurman (Cécile de Volanges), Keanu Reeves (Cavaleiro Raphaël Danceny).




Baseado no livro "Les Liaisons Dangereuses", do escritor francês Choderlos de Laclos, o filme "Ligações Perigosas" é um classico do cinema e nos brinda com personagens que ilustram de maneira criteriosa o nascimento das mascaras para sobreviver à frustraçao, para exercitar o poder ou para, simplesmente, viver em sociedade e ser aceita(o).

O roteiro é a história de duas pessoas que, engessadas pelas mascaras da época, agem através da distorçao dos principios masculino e feminino e gastam suas energias destruindo a propria vida e a felicidade de outras pessoas. Assim, a trama gira em torno das três principais desvirtudes humanas, segundo o Guia do Pathwork: o orgulho, a obstinaçao e o medo. A partir dai, começa muito sofrimento desnecessario num caldo com manipulação, intrigas, luxuria, mentiras e mortes - com um figurino fantastico, fotografia impecavel, musica vibrante e encenaçoes de Glenn Close e Malkovich que farão parte da historia do cinema eternamente.

Estamos na França de 1788, portanto, um ano antes da Revolução Francesa que vem para desmontar, entre outras coisas, o universo dessa nobreza retratada no filme. O romance narra a historia da aposta feita entre dois aristocratas, o Visconde Sébastien de Valmont e a Marquesa Isabelle de Merteuil, ex-amante do Visconde. Os dois personagens sao o estereotipo da crueldade e da distorçao do masculino e feminino. Valmont, um grande sedutor de mulheres, valentão e egoista, incapaz de honrar alguém do sexo oposto. Madame Merteuil, num primeiro momento, nos parece uma feminista avançadissima para sua época. Mas esta mascara nao resiste a uma relfexao mais profunda. Apesar do seu discurso de "vingadora do sexo feminino", Isabelle Merteuil é uma mulher ressentida com sua condiçao de fêmea na sociedade. Ela utiliza a manipulaçao para exercitar o poder, que inveja no sexo masculino, e nao vacila em destruir a vida de outras mulheres neste jogo sedutor. Marquesa de Merteuil é movida pelo orgulho e deseja se vingar de um outro ex-amante, Bastide, que vai se casar com a dama recatada Cécile de Volanges, educada em um convento de freiras.  Isabelle quer que o Visconde de Valmont seduza Cécile. Ele responde que tem um desafio maior: Madame Marie de Tourvel, uma dama casada e com firmes convicções éticas, morais e religiosas. Para convence-lo a aceitar a aposta, a Marquesa lhe promete, então, uma noite inesquecível. O Visconde tem sucesso e volta para cobrar a promessa de Isabelle. Esta, enciumada por ver o Visconde sob o efeito de Eros e completamente apaixonado por Madame de Tourvel, explode (e implode kkkkkkk) de orgulho e recusa-se a pagar a aposta. Tem inicio uma gerra  com uma simples palavrinha, “War” (guerra), que, na boca da Glenn Close, adquire contornos épicos de guerra mundial. Cena que meu eu inferior nao se cansa de aplaudir... :)))

 Há muitos diálogos relevantes no filme tocante às palestras do Pathwork que escolhi para este estudo. 


Um deles é a cena em que a Marquesa de Merteuil confessa para o Visconde como desenvolveu as mascaras para sobreviver à frustraçao de ser uma mulher numa sociedade em que o homem tem poder de vida e morte sobre as fêmeas. Infelizmente, nao consegui encontrar a cena na internet com legendas em português, mas a conversa no video postado abaixo é o seguinte: 


Valmont: - Sempre fico imaginando como você fez pra inventar a si mesma. 
Merteuil : Bem, eu não tive escolha, tive? Sou mulher. Mulheres são obrigadas a desenvolverem mais  recursos que os homens. Vocês podem arruinar nossa reputação e nossas vidas com algumas poucas palavras bem escolhidas. Portanto, é claro que eu tive de inventar não apenas eu mesma, mas também formas de fuga que ninguém pensou antes. E eu fui bem-sucedida porque sempre soube que nasci pra dominar o sexo masculino e vingar o sexo feminino.
Valmont: - Sim, mas o que perguntei foi, como? 
Merteuil: - Quando debutei na sociedade com 15 anos, compreendi que tinha que ficar calada e fazer o que me mandavam . Isso me deu a oportunidade de ouvir e observar. Nao no que as pessoas diziam, porque isso nao me interessava. Mas no que elas estavam tentando esconder. Eu pratiquei a indiferença. Tornei-me um prodigio na arte do fingimento. Eu aprendi a parecer feliz quando embaixo da mesa eu enfiava um garfo na palma da mao. Consultei moralistas rigorosos para saber como deveria me comportar. Filosofos, para saber o que deveria pensar. E novelistas, para saber do que eu poderia escapar. E no final, cheguei a um principio maravilhosamente simples: vencer ou morrer . 
Valmont: - Entao, você é infalivel? 
Merteuil: - Se eu quero um homem, eu o tenho. E se ele quiser falar de mim, nao pode. 
Valmont: - E qual foi a nossa historia? 
Merteuil: - Eu o desejei antes mesmo de conhece-lo. Minha autoestima exigia. Foi a unica vez em que fui controlada pelo meu desejo.






http://youtu.be/z6PJBv7HT1M



Reparem bem na frase "Minha autoestima exigia". Nada poderia estar mais longe do amor. E, no entanto, Merteuil acreditava que amava Valmont. Erro classico repetido aos montes pelos quatro cantos do mundo por bilhoes de casais...

Eu também, assim como a Marquesa, quando debutei na sociedade aos 15 anos, encontrei um mundo adulto de pessoas repletas de mascaras. Desenvolvi as minhas pra ser aceita e receber aquilo que eu acreditava ser amor. Tudo o que consegui foi dor e abuso psicologico, emocional e fisico até me tornar uma mulher, tola e com um egão que ameaçava: "decifra-me ou devoro-te." Passei anos acreditando que podia brincar com a manipulaçao sem me queimar. Meu ego me fazia acreditar que eu era poderosa como a Marquesa com o meu corpinho de bailarina e meu batom carmim. Que patinha! Nao passava de uma marionete, como a dama Cécile de Volanges, nas mãos de pessoas com egos tao inflados quanto o meu...


Felizmente, escolhi o caminho oposto da Marquesa, ainda que tateando no escuro... 


Num outro momento, Valmont confessa: "Quero ter a emoçao de ver Marie de Tourvel traindo tudo aquilo em que acredita", ou ainda, "Por que sera que sentimos prazer em perseguir as mulheres que nos fogem?" Prato cheio para a palestra do "Pathwork 140 - Ligaçao ao Prazer Negativo como Origem da Dor."

Bem, no final do filme, Isabelle de Merteuil é punida pela sociedade, tao hipocrita quanto ela mesma. A velha maxima dos eventos exteriores trazendo à tona o nosso mundo interior... E o casal Valmont e Madame de Tourvel "morrem por amor", um blablabla basico da interpretaçao descuidada do comportamento humano infestando a literatura, cinema, musicas e pinturas e responsavel pela manutençao da imagem distorcida do amor. Amor nao mata, liberta!

Ao olharmos por tras da imagem do clichê de "morrer por amor", percebe-se claramente outras motivaçoes inconscientes no casal apaixonado do filme, o Visconde Valmont e a Marquesa de Tourvel. Ele, agindo através da obstinaçao, traça um plano para vencer e destruir a reputaçao da Marquesa de Merteuil: atira-se sobre a espada do Cavaleiro Danceny e entrega as cartas que tornarão publico o carater de Isabelle de Meurteil. Uma vez morto, nao sofre os julgamentos da sociedade, nao precisa encarar o deboche de todos, o que torna a vingança mais certeira. Assim, ele se utiliza do "princípio maravilhosamente simples" da Marquesa: vencer ou morrer. Ou seria, vencer E morrer? Mas que surpresa o Vinconde de Valmont nao deve ter tido ao se deparar com a propria consciência e constatar que tudo nao passou de vaidades e oportunidades desperdiçadas... E Madame de Tourvel, morre de angustia por ter descoberto que sua mascara de mulher fiel e religiosa sucumbiu aos galanteios de um sedutor sem escrupulos e vaidoso. Que canto escuro da sua psique a teria levado a se apaixonar por um homem que vibrava o oposto das suas convicçoes aparentes? Marie de Tourvel pagou o preço de ter um eu idealizado que a levou a acreditar que poderia evangelizar e salvar a alma daquele que ela considerava amar. E talvez, tenha morrido mesmo é de medo que todo mundo descubra seu pecado, que para ela foi imperdoavel.

Ah, os labirintos da psique humana... E, no entanto, todos acham que agiram por... amor!!!!!!!!!!!!!

Elementar, mas o escritor francês Choderlos de Laclos era um grande conhecedor da natureza humana. Amor é um sentimento puro demais para que almas neste nivel de ilusao possam sentir...

A palestra 44 do Pathwork ("As forças de Eros, Amor e Sexualidade) é muito elucidativa sobre esta afirmação. Vejamos: "A força erótica (Eros) é uma das mais potentes forças existentes e é dotada de um impulso e de um impacto tremendos. Sua função é servir como a ponte entre o sexo e o amor; porém ela raramente o faz. Em uma pessoa de grande desenvolvimento espiritual a força erótica transporta a entidade da experiência erótica, que em si mesma é de curta duração, para o estado permanente de amor puro. No entanto, mesmo o forte impulso da força erótica só leva a alma até aí, e não mais. Ela está destinada a dissolver-se caso a personalidade não aprenda a amar, cultivando todas as qualidades e requisitos necessários para o verdadeiro amor. A fagulha da força erótica só pode permanecer viva quando se aprende a amar. Sozinha, sem o amor, a força erótica se consome em seu próprio fogo. É esse, naturalmente, o problema com o casamento. Como, a maioria das pessoas, são incapazes de experimentar o amor puro, são também incapazes de alcançar o casamento ideal. Eros é semelhante ao amor em muitos aspectos. Ele revela impulsos que um ser humano não teria de outra maneira: impulsos de altruísmo e afeição dos quais ele talvez fosse antes incapaz. Eis porque ele é tão freqüentemente confundido com o amor. Mas eros é com a mesma freqüência confundido com o instinto sexual que à sua semelhança, também se manifesta como um grande desejo. Eros é a coisa mais próxima do amor que o espírito não desenvolvido pode experimentar. Ele retira a alma da apatia, do simples conformismo e do estado vegetal. Faz com que a alma se revolva e saia de si mesma. Quando essa força chega, mesmo as pessoas menos desenvolvidas tornam-se capazes de superar-se. Mesmo um criminoso sentirá temporariamente, pelo menos por uma pessoa, uma bondade que nunca havia antes conhecido. A pessoa completamente egoísta terá, enquanto durar esse sentimento, impulsos altruístas. Pessoas preguiçosas sairão de sua inércia. A pessoa presa à rotina livrar-se-á, naturalmente e sem esforço, de hábitos estáticos. A força erótica retirará uma pessoa do seu estado de separação, ainda que só por pouco tempo. Eros oferta a alma um gosto prévio da unidade e ensina à psique temerosa o anseio por ela. Quanto mais fortemente tenha experimentado eros, menos contentamento encontrará a alma na pseudo-segurança do isolamento. Mesmo uma pessoa totalmente auto-centrada pode ser capaz de fazer um sacrifício durante a experiência de eros. Como vêem, meus amigos, eros capacita as pessoas a fazer coisas a que elas não se sentem inclinadas em sua ausência; coisas que estão intimamente ligadas ao amor. É fácil ver porque Eros é tão comumente confundido com o amor.
A DIFERENÇA ENTRE EROS E O AMOR
Qual a diferença, então, entre Eros e o Amor ? O amor é um estado permanente na alma; eros não. O amor só pode existir se o seu alicerce é preparado através do desenvolvimento e da purificação. O amor não vem e vai a esmo; é assim com eros. Eros atinge com força repentina e até mesmo quando encontra a pessoa não disposta a atravessar a experiência. Eros só será a ponte para o amor que se manifesta entre um homem e uma mulher se a alma estiver preparada para amar e tiver construído a fundação para o amor." (Guia Pathwork, palestra 44)


Se o Visconde tivesse utilizado o portal de Eros para desenvolver o Amor, teria mandado  Merteuil e sua reputaçao de conquistador às favas e sido feliz com sua amada. Em vez disso tratou Tourvel com crueldade tipica daqueles que so vislumbraram Eros por uma fresta. Simples assim! Como diria a Marquesa de Merteuil neste dialogo primoroso: "A minha vitoria nao foi sobre Madame de Tourvel mas, sobre você (Visconde de Valmont), que nao suportou a vaga possibilidade de escarnio, o que prova a minha teoria de que VAIDADE E AMOR SAO INCOMPATIVEIS! Uma pérola de frase para o Facebook! :)))) 




Para mim, o filme ilustra muitissimo bem como a humanidade construiu, ao longo dos séculos, as mascaras das quais tentamos nos livrar até hoje. E como a mulher, salvo poucas exceções, participou ativamente e inconscientemente desta construçao, com uma maioria sonhando ardentemente com um casamento que a protegesse do mundo, de si mesma e promovesse o falso conforto da dependência.

Quantas de nos ainda nao vive, nas gavetas do insconsciente, este conflito interior, enquanto vestimos mascaras de mulheres independentes do século XXI?

O resultado desse conflito interior é simples e pode ser constatado o tempo todo, em nos e a nossa volta: o principio feminino (a entrega e a receptividade) e masculino (ativaçao) em desequilibrio. Em consequência, seres humanos com dificuldade de vivenciar a feminilidade e masculinidade sem distorçoes. 

A primeira vez que li a palestra 229, tive um ataque de colera diante da afirmaçao do Guia de que: "... o homem manifestava e revelava medo em relação aos que eram fisicamente mais fortes do que ele. E quanto mais medo existia em relação aos que eram mais fortes, maior se tornava o impulso de subjugar as pessoas mais fracas. Esse é um traço humano da pessoa não iluminada que vocês conhecem bem por causa de seus próprios processos interiores. É um fenômeno de compensação. Essa atitude existe na consciência da humanidade até hoje. Está presente também na mulher, pois se vocês olharem bem no fundo de si mesmas, encontrarão atitudes semelhantes arraigadas na consciência. Uma parte da mulher contribuiu para a situação na era que terminou há pouco. Por que a mulher foi subjugada e teve negado seu direito de autoexpressão,
de igualdade mental, emocional e espiritual com o homem por muito tempo depois que a força física deixou de ser o maior valor de uma pessoa? A mulher não podia ser apenas uma vítima do desejo egoísta do homem de sentir-se superior e mais forte, de possuir a mulher como um objeto. A mulher também contribuiu para isso."

Meu ataque foi um sinal tipico de negação. Afinal, a raiva nunca é a emoçao primaria, mas a emoção que utilizamos para esconder aquilo que não queremos ver.
Passada a histeria, fui obrigada a rever calmamente que, como humanidade, nos nos desenvolvemos desta forma. E agora, temos o privilégio de sermos as gerações que podem iluminar este canto escuro da psique coletiva  e mudar esta forma doentia de funcionamento. Nao repetindo os erros passados: um gênero tentando dominar o outro, mas, homens e mulheres se perdoando mutuamente pelos erros e excessos feitos coletivamente. E se libertando para sermos individuos com as forças masculina e feminina integradas e equilibradas.

Ao aconselhar a dama de Volanges, Isabelle diz outra frase de impacto: "Vergonha e dor só se sente uma unica vez." O que ela deve ter descoberto, ao receber a noticia da morte do Visconde e quebrar todo o quarto, que nao é verdade. A cena final, prodigiosa, mostra a Marquesa de  Merteuil retornando pra casa depois da vaia na Opera e retirando a maquiagem. Ou seria a mascara? 




  

Um ano depois, toda a sociedade aristocratica parisiense, que condenou  Merteuil à obscuridade, seria induzida também a retirar suas mascaras, porém, num evento mais determinante e doloroso: a Revolução Francesa.

Como diz o ditado popular espirita atribuido a Chico Xavier: "Se não vai por amor, vai pela dor."

‎A frase de Stephen King, "Monstros e fantasmas são reais. Vivem dentro de nós e, às vezes, vencem", ganha aqui uma veracidade inquestionavel.
Quais sao os fantasmas ou as mascaras que você precisa enfrentar para encontrar a si mesma(o)? 





Minhas sugestoes de palestras Pathwork que complementam esta meditaçao sao as de numeros:

169 Os principios masculino e feminino no processo de criaçao
044 As forças do Amor, Eros e Sexo
058 O Desejo pela Felicidade e o Desejos pela Infelicidade
072 A Respeito do Medo de Amar
229 A Mulher na Nova Era
251 A Evolução e Significado Espiritual do Casamento - O Casamento na Nova Era
Ou, o livro "Criando União", da Fundaçao Pathwork.

Para baixar as palestras, va em Pathwork Brasil .

Boa meditação!


  * Patrícia Nascimento Delorme, 40, integrando as forças feminina e masculina na alma antes que uma guilhotina me seja apresentada.


O blog "Escreva Lola, Escreva" faz uma analise deliciosa do filme:
http://escrevalolaescreva.blogspot.fr/2010/09/classicos-duvidosos-ligacoes-perigosas.html
http://escrevalolaescreva.blogspot.fr/2010/09/e-marquesa-e-punida-faz-parte-do.html?showComment=1341305458139

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