sexta-feira, maio 08, 2009

Toró de Parpite nr. 49. A vida que ninguém vê.

Toró nr 49. Matoury-Guiana Francesa, 07 de maio de 2009. Chuva...


Dando continuidade às reflexoes que iniciei no Toró anterior, encontrei essas palavras de Eliane Brum, jornalista vencedora do Prêmio Jabuti com o livro "A vida que ninguém vê".
Ela consegue traduzir claramente o que sinto em relaçao ao jornalismo.

"...Só faço parte de um grupo de repórteres que continua brigando para fazer matéria pessoalmente, sem a mediação de telefones e e-mails, prestando atenção no que vê, sente, observa - e não apenas no que é dito.
Eu sou basicamente intuitiva, então nunca planejo muito. Para escrever é a mesma coisa. Em geral, fico grávida da matéria, então acho que vai gestando dentro de mim. Acho que a matéria fica se escrevendo dentro de mim. Por isso que quando eu sento, em geral ela sai aparentemente sem pensar. Porque já estava se pensando dentro de mim. Quanto ao estilo, se tenho um deve ser a soma de tudo o que li - e leio – nesta vida. Eu gosto mesmo é de literatura. Não vivo sem livros de ficção. Em geral não suporto muito o mundo. Acho que ser repórter me ajuda a equilibrar essa dor do mundo. A escritora Ana Miranda diz que “nem sempre a vida dói como uma afta”. É uma frase ótima. Pra mim em geral a vida dói como uma afta. Descobri que fazer jornalismo é um jeito de elaborar isso, de ver como as outras pessoas lidam com a dor do mundo (em geral muito melhor do que eu). E transformam dor em criação, às vezes da própria memória. Embora como leitora eu ame ficção (e sonho com um dia escrever ficção), aprendi que a realidade é imbatível. A ficção não alcança a capacidade de invenção e reinvenção da realidade. Por isso sou muito grata por ser repórter.
... Acho que existem vários tipos de matérias. As que eu geralmente faço não vejo como não me envolver com as pessoas. É uma relação de confiança mútua, de entrega mútua. Sinto uma responsabilidade terrível quando alguém aceita contar a sua vida para mim. É maravilhoso e é um peso. Nada pode ser pior do que uma pessoa não se reconhecer numa matéria. Não só não reconhecer suas palavras como seu jeito, seu cheiro. Mesmo que sempre vai ser o meu olhar sobre um outro, o outro tem de se ver no meu olhar ou há alguma coisa errada. E sei o que uma reportagem equivocada pode causar na vida de uma pessoa. Então fico muito tensa, tenho insônia. E vivo aquelas experiências todas. Não tem uma regra, tem bom senso em cada caso. Nem sempre acerto.
Eu vivo cada matéria como se fosse a única. Eu mergulho, submerjo e depois é preciso emergir, o que só acontece depois de publicar. Isso cria algumas dificuldades extras. Porque são raros os editores que entendem que você não entra e sai de matéria como se fosse uma linha de montagem. Não é disso que se trata. É preciso de um tempo que, em geral, a gente tem cada vez menos. Não estamos “produzindo”, nosso trabalho não se mede em quantidade. Se essa for a medida, há algo de muito errado com a imprensa. Quando volto de uma viagem dessas, seja uma viagem literal ou não, fico muda, não consigo falar, preciso de uns dias dentro de mim. Eu ando, como, falo coisas corriqueiras, mas de verdade não estou. Estou elaborando dentro de mim porque foram coisas que mexeram muito comigo, que me transtornaram. Ao mesmo tempo que é um privilégio entrar nessas realidades que de outro jeito não teríamos acesso, é um preço alto, um custo pessoal alto. Não me canso de dizer que ninguém entra na vida do outro impunemente. Se nada se passou, eu acho, é porque apenas passou pela realidade, pela vida, mas não entrou."

Entrevista na integra, aqui.

* Patrícia Nascimento Delorme, 37, jornalista e mãe do Luka, na saida do casulo. Seu e-mail: patiedelorme@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário