sexta-feira, junho 20, 2008

Toró de Parpite nr. 21. Dia da Mulher, 2002



Toró nr. 21. Vicentina-MS, 08 de março de 2002.

Fiz esse discurso em homenagem à minha avó , Air Ortiz, que recebeu o titulo de "cidadã vicentinense" no Dia Internacional da Mulher em 08 de Março de 2002, em Vicentina, MS, Brasil.

"Venho hoje nesta cerimônia falar sobre uma das mulheres aqui homenageadas. A minha avó Air Ortiz do Nascimento, esposa de José Nascimento, mãe de 10 filhos, avó de 20 netos e 02 bisnetos (até agora...), tabeliã e cidadã vicentinense.
Nascida em Dourados no dia 24 de outubro de 1932, muda-se para Campo Grande e torna-se interna no colégio Maria Auxiliadora para completar os estudos.
Aos 15 anos retorna para a casa da família em Rio Brilhante e conhece o cabo do exército José Nascimento. Casam-se e partem para o interior de São Paulo.

Retornam para Itaporã e finalmente, no dia 07 de setembro de 1955, chegam à Vicentina acompanhados dos 3 primeiros filhos, graças ao espírito desbravador de José Nascimento que, ao que parece, influenciou algumas mulheres da família.
Tendo vivido em Vicentina por 47 anos, Air Ortiz do Nascimento contribuiu e contribui para o crescimento e desenvolvimento desta cidade, apoiando o marido José Nascimento nas suas lutas políticas pela criação do município e exercendo o ofício de tabeliã.

Ao assumir o Cartório do Registro Civil numa época em que o país era dominado por homens em todas as áreas e profissões, minha avó se tornou um referencial para mim.

Sua assinatura é valiosa. Validam documentos perante a lei. “O referido é verdade e dou fé” está escrito em todos os documentos onde consta sua assinatura.
Porém, sua rotina de dona de casa não estava completamente alterada. Todos os dias às 10h00 da manhã, ela deixava o cartório nas mãos da auxiliar e voltava para casa e para a sua rotina: preparar o almoço para a família, encaminhar os filhos e a neta para a escola, verificar o serviço da limpeza. Mais uma lição para mim: minha avó demonstrava que era possível unir as tarefas do lar e da profissão.

Assim, nos últimos 38 anos, Dona Air foi testemunha de felicidades, tristezas e conquistas dos homens e mulheres de todas as classes sociais que estiveram no cartório. Terras mudaram de donos pelas suas mãos. Meninos e meninas que nasceram aqui tiveram seus nomes e cidadania registrados nos livros de minha avó, para em seguida, crescerem, casarem-se, terem filhos, e registrá-los nos livros de minha avó. Ano após ano, a lei da vida ia se cumprindo. Casamentos, nascimentos, mortes... E ano após ano, a minha avó ia cumprindo a lei dos homens.

Quando menina, adorava ficar no cartório assistindo ela trabalhar. O que ela fazia parecia importante aos meus olhos infantis. Hoje tenho certeza de que era e é. Entre os trabalhos que ela realizava, o mais emocionante era assistir os casamentos. Na pequena vila Vicentina, cerimônias de casamento eram como ir ao cinema. As noivas chegando com seus vestidos brancos. Algumas muito simples; outras, extravagantes, com babados, bordados, muitos bordados. Algumas rodeadas de muita gente; outras, apenas com alguns poucos familiares. Algumas cobertas de maquiagem; outras, cobertas pelo de pó da estrada. Mas, todas iluminadas pela felicidade do que elas consideravam um sonho realizado.

Leitora assidua da revista Readers Digest, e livros como, "Meu Pé de Laranja Lima"e "Éramos Seis", minha avó deixa até hoje a neta jornalista perplexa com a abrangência do seu conhecimento ao recitar verbos em francês! Mais do que uma simples tabeliã, Dona Air, como era chamada por essa gente simples e sincera, foi e é um exemplo de profissional responsável, de compromisso e carinho. Ela não sabe, mas incutiu em mim valores de busca pelo conhecimento que me fizeram escolher o caminho do jornalismo.

E apesar dos erros que nos fazem tão humanos - minha avó matava galinhas com as próprias mãos para os almoços de domingo, o que visto por uma criança é um erro imperdoável. Ela deve se lembrar da neta ao lado chorando e pedindo para que ela não matasse as bichinhas...
Esse mesmo erro que a tornava cruel perante a minha inocência infantil, é agora motivo de orgulho. A minha avó é hoje para mim, profissional e mulher da modernidade, um exemplo: ela foi exceção nas estruturas e conceitos de uma sociedade machista sem perder o carinho e o sentimento de servir à família e ao marido. Encontrou no caminho do meio o equilíbrio entre profissão e lar, entre mulher e mãe. Por tudo isso eu a agradeço: por ter sido o meu porto seguro, o meu amor incondicional, o meu colo macio. Te amo. "

Sua neta e admiradora,
Patrícia "Patie" Nascimento

Em tempo: Meu carinho à todas as mulheres aqui também homenageadas nesta noite, que fizeram parte da minha infância e que viveram com dignidade o papel de esposa, mãe e dona-de-casa.

* Patricia Nascimento, tinha 30 anos quando escreveu este texto, ja era jornalista, mas não tinha casado e nem tinha filhos. E apesar da admiração pelas donas-de-casa e mães, não sabia se casava, comprava uma bicicleta ou se retornava para a India. Seu e-mail: patienascimento@hotmail.com

Um comentário:

  1. Anônimo3/1/10 20:01

    parabens dana Air, fiquei feliz por véla..
    a senhora nos casou a 42 anos janeiro de 1968

    joão e salete

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