terça-feira, junho 17, 2008

Toró de Parpite nr. 04. Na Marcha Global.


dançando com as meninas libertadas da escravidão pelas equipes da Marcha Global.




Secretariado da Marcha Global. O Alam é o timido ai atras de camisa verde. haha





Toró nr. 04. Índia, 28 de abril 2000. Primavera. Caloooooooor!!!! Sábado N.04

Nova Déli - Falar sobre a Índia é difícil. Talvez seja por isso que eu tenha evitado o tema no Toró até agora.



Após 3 meses, começo a formar as primeiras impressões e a sentir necessidade de escrever. Adicionado a isso, todos vocês tem me questionado muito sobre a minha experiência aqui. Por isso, decidi finalmente relatar alguns "causos" no Toró.



Gostaria, mais uma vez de frisar que, as experiências aqui relatadas foram capturadas sob o meu ponto de vista, cultura e raízes. E por mais que eu esteja entrando neste outro planeta decidida a não fazer julgamentos, a minha cultura acaba influenciando nas observações de alguma forma. A única coisa que posso prometer é que estou tentando passar a vocês, uma informação mais próxima das verdades locais, e, as vezes, acrescentando a minha opinião, porque se tem uma coisa que estou aprendendo na pele e que, realidade é uma coisa muuuuuuuuito relativa…
Então, vamos lá.

Himalaia a vista - Cheguei numa Déli coberta de névoa, gelada, escura e movimentada. No aeroporto, Alam Rahman esperava-me.
A gente se conheceu em Genebra durante a Marcha em 1999. Um moco admirável. Canadense, 29 anos, mãe italiana, pai de Bangladesh. Coordena o Secretariado Internacional da Marcha Global Contra o Trabalho Infantil com uma desenvoltura invejável. Um líder nato.
Tem um senso de justiça e uma paciência oriental com as limitações dos colegas de trabalho - e que limitações! - que me inspira a buscar cada vez mais essa virtude tão difícil, a tolerância. O menino é incansável!


Tem noção do que esta acontecendo em todos os departamentos; tem sempre uma sugestão, mas nunca entrega de bandeja porque acredita que os colegas tem que buscar soluções; pratica esportes duas vezes ao dia; nunca termina de assistir um filme porque tem sempre um ultimo relatório para ler ou para escrever; come 6 bananas de uma só vez para divertir as crianças e dorme no telhado porque gosta de ar fresco - como se isso fosse possível em Deli!!!!!!!!! hahahaha.
Pois é com esse moço de um caráter brilhante que tenho aprendido a me organizar para alcançar o meu objetivo maior: educar-me para ajudar na educação dos outros.
Cheguei em Déli acreditando que iria "dar uma mãozinha" como voluntária e deixei a sala de reuniões com o cargo de assessora de imprensa de uma organização internacional, uma dor de cabeça de lascar e um medo de falhar que me deixou em pânico por uns 15 dias.
Por varias vezes tive vontade de sumir no primeiro avião e retornar para o colo da mãe. Nunca senti tanta saudade do Brasil e da mãe nestes 3 anos distante. Ah… o medo…
Nesse período contei com a fé em mim e em Deus, o apoio do Alam, Florais de Bach, vela para anjo de guarda e Paulo de Tarso e muitos e-mails dos amigos. O medo passou e ficou a experiência de que o medo cega e faz a gente ver as pedras do caminho muito maiores do que elas realmente são.


Independência - No dia 26 de janeiro, os indianos comemoram a independência do pais. Aquele feijao-com-arroz: parada militar pra mostrar o poder armamentista ao Paquistão, desfile fechado pra quem pode pagar. Quem não paga, assiste em casa, pela TV. Nosso caso. Por que será que uma data tão marcante tem que ser comemorada com parada militar? Aquela coisa dura, tensa. Será que os valores do exercito são os melhores para comemorar o dia da independência? Como disse um jornalista brasileiro, "o Brasil será uma verdadeira democracia quando o desfile da Independência tiver comissão julgadora". Quando o desfile terminou, Alam disparou a frase do dia: '50 anos ignorando a Constituicao".uooo…
Algumas regiões não comemoram e denominam a data de 'Black Day". Habitadas pelas castas pobres, eles clamam por reforma agraria, escolas, trabalho e comida. Em 1997, 62 deles foram brutalmente assassinados pela policia a mando dos latifundiários - ops - quero dizer, da casta Brahmin (a turma rica do pedaço). Qualquer coincidência com o Brasil é mera semelhança.
Este ano, alguns indianos comemoraram também na mesma data o meu aniversario (excuse meeeee, hahaha, oi Bia). Fomos para um Ashram ( retiro espiritual), local onde as crianças libertadas da escravidão passam a morar por 6 meses. La, elas vao a escola, aprendem que trabalho infantil é ilegal, participam de workshops e reconstroem a auto-estima e a confiança nos adultos. Dancei com todos eles, distribui bananas e doce de leite ofertadas pelo Kailash Satyarthi, presidente da Marcha. Foi o aniversario mais sereno que já passei. E foi a primeira vez nesta data, desde que me lembro, que dormi em paz sem derramar uma lagrima…Acho que meu coração esta me guiando na direção certa.

Interação - Dez anos atras, se alguém me dissesse que eu não podia ir a um bar, eu teria um piti. Por algum motivo, não sinto mais falta das noitadas, a menos que seja uma bailanta pra dançar xote e vanerão ate o raiar do dia.
Como sinto falta de conversar com pessoas, matriculei-me num curso de conversação. Assim, matei dois coelhos: desenvolvo meu inglês e conheço "nativos e nativas".
Pois bem, as discussões são ótimas. A professora é budista e tem uma cultura admirável.
Tenho estado em contato com estudantes e, principalmente, com o que os indianos pensam, o que, as vezes declina entre hilário e surpreendente. Imaginem que alguns deles controem frases do tipo "Se eu fosse presidente, destruiria o Paquistão em 10 segundos' ou " Nos podemos arrasar o Paquistão em 1 minuto" para praticar os tempos do verbo!!!!!!!!!!!!
Cada discussão daria um Toro a parte. Quem sabe…
No dia internacional da mulher a professora propôs discutirmos "vestidos curtos são indecentes?' Gente, o negocio pegou fogo. O que você sempre quis dizer a um muçulmano do Afeganistão e nunca teve oportunidade? Eu tive e falei no seu lugar! Imagine que o cara veio com aquele discurso (alias, tão familiar) de que a mulher se arrisca usando um vestido curto e que um estupro, neste caso, é culpa da mulher!!! Tinha a resposta na ponta da língua porque varias vezes tive que explicar aos coleguinhas brasileiros que o homem não é animal e tem por obrigação, para com a humanidade e para com Deus, controlar seus instintos.
Pra vocês verem que não é preciso nascer no Afeganistão, nem ser muçulmano fanático pra ter idéias distorcidas.
Bem, ai ele quis saber de mim, se eu conseguiria continuar a minha prece se um homem aparecesse ao meu lado, sem camisa. Respondi que, provavelmente, perderia a concentração. Nesse momento, ele grita AHHA.
E eu respondi "AHHA, a diferença é que não vou atacar o moco e muito menos culpa-lo por ter perdido a concentração. Vou assumir que ainda tenho muito o que trabalhar. AHHA".
Sabem o que ele disse? "Não vou responder porque você é uma mulher".
E eu: "adoro quando homens não tem mais resposta e usam essa desculpa fajuta". A professora budista vibrando. hahaha.
Adivinhem! Hoje somos amigos, e o muçulmano é uma figura legal que também esta ai na vida tentando se encontrar. Faz aulas de musica pra tentar esquecer um passado complicado. Cada um com a sua historia…

Trânsito- O transporte publico na Índia faz com que eu tenha muitas saudades da Inglaterra. Pra vocês verem como tudo é relativo…
Nosso transito e transporte publico esta muito mais para Inglaterra do que para Suíça - atravessando sinais vermelhos e atropelando pedestres na faixa amarela. O que me faz pensar que um dia poderemos competir pau-a-pau com a Índia. Arght!
Ainda bem que estamos livres de vacas e elefantes nas ruas. Menos mau… Imagine um elefante com aquele rebolado cadenciado e uma placa enorme próxima do rabicó: 'Buzine, por favor".hahahahaha. Cena comum nas ruas por aqui. Nem Salvador Dali daria conta de pensar num cenário desses. hahahahaha.
Só quem teve um carro parando no meio da rua pra você, pedestre, atravessar, sabe a sensação de respeito que isso trás. Por trás desse "tradição" suíça, existem valores de respeito mutuo (o pedestre atravessa na faixa amarela, assim, não atrapalha o fluxo e, o motorista para na faixa amarela porque respeita o direito do pedestre), respeito pelas regras (que fazem parte do cotidiano e não são um amontoado de códigos desconhecidos no papel) e respeito pela vida.
A gente se sente gente no transito suíço. :-)

No coração do redemoinho- Aos 19 anos, conheci uma garota que tinha um pedaço do muro de Berlim no quarto. Voltei pra casa emocionada com o que vi.
Quando contei a um amigo sobre o "souvenir", ele perguntou com uma certa indiferença: "por que você esta tão emocionada com um pedaço de pedra"?
Na época, não consegui dizer a ele que não era a pedra que me emocionava. Mas o "estar lá" - no centro do redemoinho. Ser uma testemunha ocular (apesar de míope) dos fatos. Sentir a emoção das pessoas, os cheiros, os sons. Registrar os olhos - a porta da e para a alma.
Hoje trabalho para uma uma organização que desenvolve a campanha contra o trabalho infantil e agora, abraçou a campanha pela educação por entender que educação é o caminho para combater a miséria e o trabalho infantil.
Esta semana o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn,
prometeu que "nenhum pais verdadeiramente comprometido em promover educação para todos ira falhar por falta de ajuda e fundos".
Essa promessa encheu meus olhos de lagrimas e meu coração de esperança em ver todas as crianças na escola ate 2015. Terei 43 anos e vou me lembrar que estive no centro do redemoinho. Espero, nessa idade, estar trabalhando para manter a conquista de educação para todos que teremos alcançado.


That's all folks! Espero ter matado um pouco da curiosidade de vocês. Gostaria de dizer a todos que recebem o Toró que, vocês NAO são apenas nomes na minha lista, mas amigos com os quais divido o meu mundo e as minhas verdades. E apesar de enviar a mesma carta a todos, envio também o meu carinho a cada um quando estou clicando os nomes individualmente .

Um beijo da caçadora de joio e trigo,

Patricia Nascimento

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