sexta-feira, junho 20, 2008

Toró de Parpite nr. 19. O amor em primeiro lugar



Toró nr. 19. Caiena-Guiana Francesa, 20 de junho de 2007. Estação da chuva. Chove, Chove, Chove, só Chove! ! ! ! + - 27 °C

O amor em primeiro lugar

„É possível que existam seres destinados ao amor em primeiro lugar. E que com a expressão amorosa de seu mútuo encanto pela humanidade de que são feitos rompam todos os limites a que estamos sujeitos. Mesmo os da morte dessa em vida que experimentamos com a miséria, a falta de interesse, de estímulo, a competição, a banalização. É possível que existam seres destinados ao amor em primeiro lugar. Esses seres se chamariam amantes. E esses seres amantes podem ser pais, filhos, professores, profissionais liberais que amam suas profissões, amigos, até estadistas; mesmos que estes últimos raros. E como Deus, esses seres amantes são organismos que sempre existiram e existirão. Nas células, num aperto de mão ou numa justa lei que fosse promulgada, numa lição, num serviço, num gesto ou numa cama.“

Quando Denise Stoklos terminou essas linhas eu já estava aos prantos. É possível? É realmente possível amar alguém ou algo até as últimas consequências? É possível seguir uma profissão apenas por amor e esquecer todos os valores de dinheiro, fama e poder que a sociedade nos impõe?

A peça „Mary Stuart“, escrita e interpretada por Denise Stoklos, mexeu comigo e com muita gente - ou quase muita! O Palácio Popular da Cultura, tão acostumado com as estrelas globais, estava vazio diante da imensidão do talento da atriz-escritora Stoklos.

E eu lá, „ouvindo“ todas aquelas verdades. Imóvel e maravilhada. Somos tão pequenos! Viemos ao mundo para crescer e desperdiçamos a chance com preocupações vazias, fulgazes e tão pequenas quanto nós mesmos. Matamos os nossos sonhos antes mesmo deles nascerem. Sufocamos a nossa personalidade a troco de quê? De sermos „aceitos“ pela sociedade que não suporta a criatividade, originalidade, a sinceridade e nos aponta o caminho da banalidade, da medíocridade, do igual, do comum. Caminho que seguimos sem questionar, nos distanciando cada vez mais de nós mesmos.

Denise Stoklos enfiou o dedo no meu nariz, na minha ferida e disse: „Faça algo pelos seus sonhos. Pare de escovar os dentes todos os dias pensando no teto do seu apartamento que está com infiltração. Pare de se deitar todas as noites pensando no teto do seu apartamento que está com infiltração. A vida é tão pequena e está acabando, escorrendo, acabando...

Eu não sei quanto às outras pessoas, mas quanto a mim, ficou um vazio depois que a peça terminou. Como se fosse um enorme buraco pra ser preenchido. E preenchido por mim! Meus Deus, que responsabilidade. Definitivamente, é bem mais fácil viver na ignorância. Eu disse mais fácil e, não melhor.

Obrigada Denise, por me brindar com o seu talento e a sua luz.
Patricia Nascimento
Texto publicado no Jornal do Brasil Central, JBC.
Campo Grande, MS, Brasil.
1994
* Patricia Nascimento Delorme, 36, jornalista e mãe do Luka, impressionada com a atualidade deste texto... Parece que foi escrito por mim na semana passada!

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